ESTUDO DO MITO
Há mais de
meio século, estudiosos começaram a explorar o mito sob uma perspectiva
diferente da até então em voga . Ao invés interpretá-lo
na acepção usual do termo, como “fábula”, “ïnvenção”, “ficção”, eles o aceitaram
tal qual era compreendido pelas sociedades arcaicas, onde o mito designa uma
“história verdadeira” e preciosa por seu caráter sagrado.
O
importante aqui é estudar as sociedades onde o mito é ou foi vivo, no sentido
em que fornece os modelos para a conduta humana, conferindo significação e
valor à existência.
Esses
cultos proféticos proclamam a iminência de uma era fabulosa de abundância e
beatitude.
Todas
as grandes religiões mediterrâneas e asiáticas possuem mitologias. Apesar das
modificações sofridas no decorrer dos tempos, os mitos dos primitivos ainda
refletem um estado primordial.
O mito é uma
realidade cultural extremamente complexa que pode ser interpretado através de
perspectivas múltiplas. Ele conta uma história sagrada, relata acontecimentos
ocorridos no tempo primordial, o tempo fabuloso do “principio”; narra como
(graças às façanhas dos Entes Sobrenaturais) uma realidade passou a existir,
seja uma realidade total – o Cosmo, ou apenas um fragmento, é sempre a
narrativa de uma criação (relata de que
modo algo foi produzido e começou a ser). Os mitos
descrevem as várias erupções do sagrado no mundo.
A principal
função do mito consiste em revelar modelos exemplares de todos os ritos e
atividades humanas significativas.
Embora os
protagonistas dos mitos sejam geralmente deuses e Entes Sobrenaturais, enquanto
os dos contos são heróis ou animais miraculosos, todos esses personagens têm
uma característica em comum: não pertencem ao mundo cotidiano.
Os mitos
narram não apenas a origem do Mundo, dos animais, das plantas e do homem, mas
também todos os acontecimentos primordiais em conseqüência dos quais o homem se
converteu no que é hoje.
Se o Mundo
existe, se o homem existe, é porque os Entes Sobrenaturais desenvolveram uma
atitude criadora no “princípio”. Após a cosmogonia e a criação do homem,
ocorreram outros eventos que determinaram o homem tal qual é hoje e isto, é o
resultado daqueles eventos míticos.
O homem é
mortal porque algo aconteceu no início dos tempos; se esse algo não tivesse
acontecido ele não o seria – teria continuado a existir indefinitivamente, como
as pedras; ou poderia mudar periodicamente de pele, como as serpentes, sendo
capaz de renovar sua vida.
Para o homem
arcaico o mito é uma questão da mais alta importância, lhe ensina as
“histórias” que o constituíam e tudo o que se relaciona com sua existência e
com seu modo de existir no Cosmo.
Assim como o
homem moderno se considera constituído pela história, o homem arcaico se
considera um certo número de eventos míticos.
Conhecer os mitos
é aprender como as coisas vieram à existência, onde
encontrá-las e como fazer para que reapareçam quando desaparecem. Entender a
origem de um objeto animal ou planta, equivale a adquirir sobre eles um poder
mágico, graças ao qual é possível dominá-los, multiplicá-los ou reproduzi-los. Todavia, não
basta conhecer o mito da origem, é preciso recitá-lo; recitando ou celebrando
esse mito o indivíduo deixa-se impregnar pela atmosfera sagrada.
O Tempo mítico
é um Tempo “forte” porque foi transfigurado pela presença ativa e criadora dos
Entes Sobrenaturais. Ao “viver” os mitos, sai-se do Tempo profano, cronológico,
ingressando num Tempo “sagrado”, primordial; viver os mitos implica uma
experiência verdadeiramente religiosa.
Nas
civilizações primitivas o mito desempenha uma função indispensável: ele exprime
e enaltece a crença, garante a eficácia do ritual e oferece regras práticas
para a orientação do homem.
O mito, é um
ingrediente vital da civilização humana, longe de ser uma fábula vã, ele é uma
realidade viva.
Toda história
mítica pressupõe e prolonga a cosmogonia. Os mitos de origem contam como o
Mundo foi modificado enriquecido ou empobrecido.
Para as
sociedades arcaicas, a vida não pode ser reparada mais somente recriada
mediante um retorno às raízes, esse retorno oferece a esperança de um
renascimento.
A cosmogonia é
o modelo exemplar para todos os tipos de atos: Não só porque o Cosmo é o
arquétipo ideal de toda situação criadora, mas também porque o Cosmo é uma obra
divina. Sendo assim, tudo que se assemelha ao Cosmo é sagrado.
Várias tribos
acreditam no fim do mundo e em seu renascimento. Na Grécia, observamos duas
tradições míticas distintas: a teoria da idade do Ouro, compreendendo o mito de
perfeição dos primórdios; e a doutrina cíclica.
A primeira, a
Idade do Ouro, sobre o reinado de Cronos, foi uma espécie de Paraíso, os homens
tinham vida longa, jamais envelheciam e sua existência assemelhava-se à dos
deuses. A teoria cíclica, aparece com Heráclito, e irá influenciar a Teoria do
Eterno Retorno.
Outros
fenômenos são significativos neste contexto como por exemplo, o desenvolvimento
artístico. Desde o início do séc. as artes plásticas, a literatura e a música
passaram por transformações tão radicais que se tornou impossível não falar de
uma “destruição da linguagem artística”, ao contemplar algumas obras recentes
têm–se a impressão de que o artista quis fazer “pouco caso” da pintura. Mais
que uma destruição, é uma regressão ao Caos, a uma espécie de massa confusa
primordial, percebe-se que o artista está à procura de algo que ainda não
exprimiu; ele precisa reduzir a nada as
ruínas acumuladas pelas revoluções plásticas, precisa chegar a uma modalidade
germinal da matéria, a fim de recomeçar a história da arte a partir do zero. Em
muitos dos artistas modernos, sente-se que a destruição da linguagem plástica
nada mais é senão a primeira fase de um processo complexo e que a ela deverá seguir à criação de um novo
Universo.
Na arte
moderna, o niilismo dos primeiros revolucionário representa atitudes
ultrapassadas, hoje, os artistas não acreditam na degradação e desaparecimento
de sua arte. Desse ponto de vista, sua atitude assemelha-se à dos primitivos:
eles contribuíram para a destruição do Universo artístico deles a fim de
recriar um outro.
Este fenômeno
cultural é de grande importância pois são os artistas que representam a
verdadeira força criadora de uma civilização.
A destruição
das linguagens artísticas coincidiu com o surgimento da psicanálise, a
psicologia profunda valorizou o interesse pelas origens, fato este que, tão bem
caracteriza o homem das sociedades arcaicas.
Os artistas
modernos, longe de serem os neuróticos de que algumas vezes se fala, são ao
contrário, psiquicamente mais sãos do que muitos homens modernos, eles
compreenderam que um verdadeiro reinício não pode ter lugar senão após um
verdadeiro fim. Então, os artistas se puseram a destruir seu Mundo a fim de
recriar um Universo artístico no qual o homem possa sonhar...
O desejo de
conhecer a origem das coisas não é exclusivamente arcaico. Nos séculos
XVII/XIX, multiplicaram-se as pesquisas sobre as origens do Universo,da vida,
das espécies e do homem.
No séc. XX por
sua vez, o estudo dos primórdios tomou um rumo diferente, para a psicanálise
por ex., o verdadeiro primordial é o “primordial humano”, isto é, a primeira
infância. A criança vive num tempo mítico, paradisíaco (eis a razão porque o
inconsciente apresenta a estrutura de uma mitologia privada).
Pode-se ir
mais longe ainda e afirmar não somente que o inconsciente é mitológico, mas
também que alguns de seus conteúdos estão carregados de valores cósmicos,
pode-se ainda afirmar que, o único contato do homem moderno com a sacralidade
cósmica é efetuado pelo inconsciente.
A psicanálise
elaborou técnicas que são capazes de identificar os “primórdios” da história
pessoal do homem. De todas as ciências, somente a psicanálise chegou à idéia de
que o “começo” de todo ser humano é beatífico;
a beatitude da origem é um tema bastante freqüente nas sociedades
arcaicas.
O “voltar atrás”,
cuja importância para a compreensão do homem e, sobretudo para sua cura, foi
percebido por Freud e já era praticado em culturas antigas. O retorno
individual à origem é concebido como uma possibilidade de renovar e regenerar a
existência daquele que a empreende, esse retorno prepara para um novo
nascimento, todavia, este não repete o primeiro, trata-se de um renascimento
místico, de ordem espiritual (o acesso a um novo modo de existência).
Em várias
civilizações se acreditava que a saúde e a juventude eram conseguidas através
deste retorno, único meio que o pensamento arcaico considerava eficaz para
anular a obra do Tempo. Tratava-se de abolir o Tempo transcorrido, de recomeçar
a existência com todas as suas virtualidades intactas.
TENTATIVA DE DESMISTIFICAÇÃO:
O gênio grego
foi incapaz de exorcizar por seus próprios meios o pensamento mítico, mesmo que
o último dos deuses fosse destronado e seus mitos relegados ao nível de contos
infantis. Isso porque, de um lado, o gênio filosófico grego aceitava o
essencial do pensamento mítico, o eterno retorno das coisas,e porque o espírito
grego não julgava que a história pudesse tornar-se objeto de conhecimento.
Foi somente
devido à descoberta da história, à assimilação radical desse novo modo de ser
no Mundo que o mito pôde ser ultrapassado. Porém, o pensamento mítico não foi
de todo abolido, ele conseguiu sobreviver, embora modificado e/ou camuflado.E,
o mais surpreendente é que, mais que em qualquer parte, ele sobreviveu na
historiografia.
MITOLOGIA DA
MEMÓRIA:
O esquecimento
equivale ao “sono”, mas também à perda de si mesmo, à cegueira.
A libertação
pode ser comparada ao “despertar”, à tomada de consciência de uma situação que
existia desde o princípio, mas que não fora percebida.
A deusa
Mnemósine, personificação da memória, irmã de Cronos e dos Oceanos é a mãe das
Musas. Ela é onisciente, sabe tudo o que foi, tudo o que é, tudo o que será;
quando o poeta é possuído pelas Musas, ele sorve diretamente da ciência de
Mnemósine, isto é, do conhecimento das “origens”.
As musas
cantam o aparecimento do Mundo, a gênese dos deuses, o nascimento da
humanidade. O passado assim revelado é mais que antecedente do presente, é a
sua fonte. Ao remontar a ele, a rememoração procura não situar os eventos num
quadro temporal, mais atingir as profundezas do ser, descobrir o original, a
realidade primordial da qual proveio o Cosmo, e que permite compreender o devir
em sua totalidade.
O poeta,
inspirado pelas Musas tem acesso à realidades originais; essas realidades
manifestaram-se nos Tempos Míticos e constituem o fundamento deste Mundo. Mas,
por terem aparecido nas origens, essas realidades não são mais perceptíveis na
experiência corrente.
Pitágoras,
Empédocles e outros acreditavam na Metempsicose e afirmavam poderem se recordar
de suas vidas passadas.
Para Platão
aprender é rememorar. A Teoria das Idéias platônica podem ser comparadas ao
comportamento do homem nas sociedades arcaicas e tradicionais; o homem dessas
sociedades encontra nos mitos os modelos exemplares de todos os seus atos, os
mitos lhe asseguram que tudo o que ele fez ou pretende fazer, já foi feito no
princípio. Ignorar ou esquecer o conteúdo dessa “memória coletiva” constituída
pela tradição equivale à uma regressão ao estado “natural”.
Platão
acredita que, viver inteligentemente, ou seja, aprender o verdadeiro, o belo, o
bom, é um antes de tudo, recordar-se de
uma experiência puramente espiritual. O “esquecimento”dessa condição é uma
conseqüência do processo de reencarnação. Ao voltar a vida terrestre a alma
“esquece” as idéias.
Também para
Jung, o “inconsciente coletivo” precede a psique individual. O mundo dos
arquétipos de Jung assemelha-se até certo ponto ao mundo platônico das Idéias:
os arquétipos são transpessoais e não e não participam do Tempo da espécie e
mesmo da vida orgânica.
Durante
milênios, o homem trabalhou ritualmente e pensou miticamente nas analogias
entre o macrocosmo e o microcosmo. Era uma das possibilidades de se “abrir”
para o Mundo e de participar da sacralidade do Cosmo. Desde a Renascença,
quando se provou que o Universo era infinito, essa dimensão cósmica que o homem
acrescenta ritualmente à sua existência nos é negada. Seria normal que o homem
moderno caído sobre o domínio do Tempo e observado por sua própria
historicidade, procure abrir-se para o Mundo, adquirindo uma nova dimensão nas
profundezas temporais.
Desde a
antiguidade, o homem se consolava do terror da história, lendo os historiadores
de épocas passadas.
Nos níveis arcaicos da cultura, a religião mantém
a “abertura” para um Mundo sobre-humano. Esses valores são transcendentes tendo
sido revelados pelos “ancestrais Míticos”.
Esses modelos
são vinculados pelos mitos, aos quais compete principalmente despertar e manter
a consciência de um outro mundo (o além mundo divino).
É através da
experiência do sagrado, do encontro com uma realidade transumana, que nasce a
idéia de que algo existe realmente, de que existem valores absolutos, capazes
de guiar o homem e de conferir uma significação à existência humana. É, portanto, através da experiência do
sagrado que despontam as idéias de realidade, verdade e significação.
Esse mundo
transcende dos deuses, dos heróis e dos ancestrais míticos e é acessível porque
o homem arcaico não aceita a irreversibilidade do Tempo. O ritual abole o Tempo
profano, e recupera o Tempo sagrado do mito.
O homem das
sociedades arcaicas parece repetir o gesto arquétipo. O mito garante a ele que
o que ele se prepara para fazer já foi feito e ajuda-o a eliminar as dúvidas
que poderia conceber quanto ao resultado de seu empreendimento.
O Mundo “fala”
ao homem e, para compreender essa linguagem, basta compreender os mitos e
decifrar os símbolos. Através dos objetos deste Mundo, percebe-se os trajes dos
Entes e os poderes de um outro Mundo.
Apesar de
saber que é um ser humano e de se aceitar como tal, o homem arcaico sabe que é
“algo mais”. Direta ou indiretamente o
mito eleva o homem.
MITOLOGIA E
INSPIRAÇÃO:
Outro
fator de grande importância no estudo do mito é o papel desempenhado por
indivíduos criadores.
Pode-se
adivinhar quais são as “fontes de inspiração” de uma tal personalidade criadora
dentro de uma sociedade arcaica: as “crises”, os “encontros”, as “revelações”,
isto é, as experiências religiosas privilegiadas.
É uma criatividade
no plano da imaginação religiosa que renova a matéria mitológica tradicional.
Os diferentes
especialistas do sagrado, desde os xamãs até os bardos, conseguiram impor ao
menos algumas de suas visões às respectivas coletividades.
As
experiências religiosas privilegiadas, quando comunicadas através de um enredo
fantástico, conseguem impor a toda a comunidade modelos e fontes de inspiração.
Tanto nas sociedades arcaicas, como em toda as outras, a cultura se renova
graças às experiências criadoras de alguns indivíduos.
O mito ajuda o
homem à ultrapassar seus próprios limites e incita-o à elevar-se para onde
estão os maiores.
CAMUFLAGEM DOS
MITOS:
Os primeiros
teólogos cristãos tomaram o mito com “fábula”, “ficção”, “mentira”,
recusaram-se a ver na pessoa de Jesus uma figura mítica. Todavia os evangelhos
estão carregados de elementos mitológicos, além do mais, as figuras e os rituais de origem judaica e mediterrânea
foram assimilados pelo cristianismo.
Um outro
problema se impõe quando se estuda as relações entre o pensamento mítico e o
cristianismo. Se os cristãos se recusaram a ver em sua religião o mito, qual é
a situação do cristianismo face ao mito vivente? Sendo assim, o cristianismo
não pode ser dissociado do pensamento mítico.
Os teólogos cristãos
negavam que os evangelhos fossem mitos ou histórias maravilhosas. A vida de
Jesus era a realização das profecias do Antigo Testamento.
Orígenes
reconhece que os Evangelhos apresentam episódios que não são historicamente
autênticos embora sejam verdadeiros ao plano espiritual.
Ao proclamar a
Encarnação, Ressurreição e Ascensão do Verbo, os cristãos estavam convictos de
não apresentarem um novo mito. Porém, eles estavam se utilizando um novo mito.
Embora
representado na história, esse drama possibilitou a salvação e existe apenas um
meio de obter a salvação: repetir ritualmente o drama e imitar o modelo supremo
revelado pela vida e ensinamento de Jesus. Esse comportamento religioso faz
parte do pensamento mítico autêntico.
Pelo fato de
ser uma religião, o cristianismo teve que conservar ao menos um comportamento
mítico: o tempo litúrgico, a recuperação periódica do “princípio”. A
experiência religiosa do cristão baseia-se na imitação de Cristo como modelo
exemplar.
A imitação de
um modelo transumano, a ruptura do tempo, constitui as notas essências do homem
das sociedades arcaicas, que encontra no mito a própria fonte de sua
existência. * (M. ELIADE,
Mythes, rêves et mysteres, pgs 26-27)
Desde o
início, o cristianismo sofreu influências múltiplas e contraditórias, sobretudo
as do gnosticismo, judaísmo e paganismo.
Os padres da
igreja cristianizaram os símbolos, os ritos e os mitos, relacionando-os à uma
história sacra.
As verdadeiras
dificuldades surgiram quando os missionários cristãos defrontaram-se com as religiões populares. Eles cristianizaram
as Figuras Divinas e os mitos “pagãos”, deuses e heróis, matadores de dragões,
transformaram-se em São Jorge;deuses da tempestade foram convertidos em São
Elias; as inúmeras deusas da fertilidade foram assemelhadas à Virgem Maria.
Sendo
assim,embora camufladamente, os mitos continuaram existindo, mesmo em
sociedades e religiões onde foram tão criticados.
MITOLOGIA E
MODERNIDADE:
Alguns
“comportamentos míticos” inda sobrevivem sobre nossos olhos. Não que se trate
de “sobrevivência” da mentalidade arcaica mas alguns aspectos e funções do
pensamento mítico são constituintes do ser humano.
Pesquisas
recentes trouxeram à luz as estruturas míticas das imagens e comportamentos impostos às coletividades.
Este fenômeno é constatado especialmente nos Estados Unidos, onde os
personagens das histórias em quadrinhos apresentam a versão moderna dos heróis
mitológicos.
Um personagem
fantástico, O Superman, tornou-se extremamente popular graças à sua dupla
identidade: oriundo de um planeta destruído por uma catástrofe, e dotado de
poderes prodigiosos, ele vive na Terra sob a aparência modesta de um
jornalista. Essa camuflagem de um herói cujos poderes são literalmente
ilimitados, revive um tema mítico bastante conhecido.
O mito do
Superman satisfaz às nostalgias secretas do homem moderno que, sabendo-se
decaído e limitado, sonha revelar-se um dia um “herói”.
Comportamentos
míticos poderiam ser reconhecidos na obsessão do sucesso, tão característica da
sociedade moderna, que traduz o desejo de transcender à condição humana; onde
se pode notar a nostalgia da “perfeição primordial”.
Observa-se
também algo que poderia se chamar de os mitos da elite, os que se cristalizam
em torno da criação artística e de sua repercussão cultural e social. Esses
mitos conseguiram se impor muito além dos círculos fechados dos iniciados,
graças ao complexo de inferioridade do público e dos círculos artísticos.
O mito do
artista maldito, que se observou no séc. XIX, está ultrapassado. Hoje, pede-se
que ele se molde à sua imagem mítica, que seja estranho, e que produza algo de
novo.
“Tudo é
permitido! Pela primeira vez na história da Arte não existe mais tensão entre
artistas, críticos, colecionadores e o público”.
Todas as
experiências autênticas da Arte Moderna refletem certos aspectos de crise
espiritual. As elites encontram na extravagância das obras modernas a
possibilidade de uma gnose iniciatória. É um “novo mundo” que está sendo
reconstruído a partir das ruínas e de enigmas.
Tudo leva a
crer que a redução dos “Universos Artísticos” ao estado primordial
da matéria prima é apenas uma fase de um processo mais complexo; como nas
concepções cíclicas das sociedades arcaicas o “Caos” é seguido por uma nova
criação, equiparável a uma cosmogonia.
Os traços
deste comportamento mitológicos revelam-se no desejo de reencontrar a
intensidade com que se viveu ou conheceu, uma coisa pela primeira vez, de
recuperar a época beatífica do “princípio”.
“É sempre a mesma luta contra o Tempo, a mesma
esperança de se libertar do peso do “Tempo Morto”, do Tempo que destrói e
mata.”