Uma Aprendizagem ou O
Livro dos Prazeres (LISPECTOR, Clarice - 1973)
Neste livro, a autora descreve a
relação que a
personagem Lóri estabelece com a divindade alcançando um “estado de graça”, assim
como da compreensão que esta elabora a respeito do que foi vivido, para
depois desenvolver uma
reflexão sobre as imagens envolvidas nesse movimento de descrever e compreender a graça.
Sem entrar na
problematização do que seja de fato "estar pronto", importa aqui, pontuar os fatos que antecedem o momento em que Lóri vive o estado de graça.
Pois bem, a entrada de
Lóri no estado de graça se dá a partir de um fato trivial do dia-a-dia – como,
aliás, acontece com tantas personagens de Clarice que, a partir de algo simples
do cotidiano, têm profundas experiências que poderíamos chamar de estéticas, filosóficas,
existenciais ou religiosas, de acordo com seu contexto próprio.
Lóri vê uma
maçã sobre a mesa, se põe a contemplá-la, toma-a nas mãos, dá-lhe uma mordida
(LISPECTOR, 1980, p.146).
A mordida, então, parece ser a senha que a coloca em
uma vivência inteiramente nova, ou seja, é por um ato de incorporação que tem
início o que ela chamará de estado de graça. E, oh Deus, como se
fosse a maçã proibida do paraíso, mas que ela agora já conhecesse o bem, e não
só o mal como antes.
Ao contrário de Eva, ao morder a maçã entrava no paraíso. Só deu uma mordida e
depositou a maçã na mesa - porque alguma coisa desconhecida estava suavemente
acontecendo. A maçã tem duplo movimento, como uma porta, que permite a passagem para dentro ou para fora.
Se a maçã do Gênesis é o que leva à queda, a maçã de Lóri a leva ao paraíso, a maçã que se encontra naturalmente colocada na fruteira; é simples objeto do mundo. É no mundo, portanto, que se dá a graça de Lóri, a condição e a verdade é vivenciada por ela, quando diz que a graça é um estado em que “sem esforço, sabe-se”, como um conhecimento a que se chega sem o intercurso direto da razão. Graça e fé seriam então duas faces do mesmo símbolo que em seu todo seria a condição da verdade, assim como da felicidade. A maçã é o símbolo cristão inequívoco da entrada na condição humana, que é a condição limitada. O paraíso perdido/desconhecido passa a ser, para Lóri, o paraíso de alguma maneira alcançado pela graça.
No contexto da descrição da vivência de Lóri é possível pensar que o próprio ato de denominar o que foi vivido como o estado de graça é um sinal da liberdade. Lóri denominou a experiência pela qual passou como graça; o que viveu não tinha nome, era uma pura experiência de prazer corporal e felicidade em estar no mundo. Mas ela o denomina graça, e o faz em liberdade. O que se ganha, através da experiência da fé e da graça, é o mundo, e não, um outro mundo ao qual só teríamos acesso em um além da morte. Nas palavras de Clarice, o que Lóri vivenciou “era como se o anjo da vida viesse anunciar-lhe o mundo”.
O mundo que Lóri ganhava – outra vez – era agora um mundo aberto ao amor. Sente que não poderia viver permanentemente na graça porque assim se desligaria do mundo e da compaixão pelo sofrimento humano.
O que está em jogo aqui é o difícil problema da liberdade em face da fé.
Se há Deus, o que resta de liberdade ao homem
Era o começo – de um estado de graça (LISPECTOR, 1980, p.146). A partir desse momento, Lóri sente uma espécie de “bem-aventurança física que a nada se comparava”, e tem a experiência direta da “dádiva de existir materialmente”.
Se a maçã do Gênesis é o que leva à queda, a maçã de Lóri a leva ao paraíso, a maçã que se encontra naturalmente colocada na fruteira; é simples objeto do mundo. É no mundo, portanto, que se dá a graça de Lóri, a condição e a verdade é vivenciada por ela, quando diz que a graça é um estado em que “sem esforço, sabe-se”, como um conhecimento a que se chega sem o intercurso direto da razão. Graça e fé seriam então duas faces do mesmo símbolo que em seu todo seria a condição da verdade, assim como da felicidade. A maçã é o símbolo cristão inequívoco da entrada na condição humana, que é a condição limitada. O paraíso perdido/desconhecido passa a ser, para Lóri, o paraíso de alguma maneira alcançado pela graça.
No contexto da descrição da vivência de Lóri é possível pensar que o próprio ato de denominar o que foi vivido como o estado de graça é um sinal da liberdade. Lóri denominou a experiência pela qual passou como graça; o que viveu não tinha nome, era uma pura experiência de prazer corporal e felicidade em estar no mundo. Mas ela o denomina graça, e o faz em liberdade. O que se ganha, através da experiência da fé e da graça, é o mundo, e não, um outro mundo ao qual só teríamos acesso em um além da morte. Nas palavras de Clarice, o que Lóri vivenciou “era como se o anjo da vida viesse anunciar-lhe o mundo”.
O mundo que Lóri ganhava – outra vez – era agora um mundo aberto ao amor. Sente que não poderia viver permanentemente na graça porque assim se desligaria do mundo e da compaixão pelo sofrimento humano.
O que está em jogo aqui é o difícil problema da liberdade em face da fé.
Se há Deus, o que resta de liberdade ao homem
Era o começo – de um estado de graça (LISPECTOR, 1980, p.146). A partir desse momento, Lóri sente uma espécie de “bem-aventurança física que a nada se comparava”, e tem a experiência direta da “dádiva de existir materialmente”.
Não era porém, algo semelhante à
inspiração do artista, pois o estado de graça não servia para nada, não
produzia nada, pelo menos não diretamente. Era uma felicidade que se confundia
com prazer e lucidez, era a vivência comum de uma pessoa comum, que de
repente tinha a chance de entrar em relação direta com o que a cercava.
No estado de graça,
via-se a profunda beleza, antes inatingível. Tudo, aliás,
ganhava uma espécie de nimbo que não era imaginário: vinha do esplendor da
irradiação quase matemática das coisas e das pessoas.
Passava-se a sentir que tudo o que existe –
pessoa ou coisa respirava e exalava uma espécie de finíssimo resplendor de
energia. Esta energia é a maior verdade do mundo e é impalpável (LISPECTOR, 1980, p.
147).
Era também uma
experiência indizível e incomunicável – mas Clarice não se furta a tentar
comunicá-la. E, por fim, a saída deste estado foi tão leve quanto tinha sido a
entrada nele.
Depois de ter saído, não adiantava desejar voltar, pois a graça
só vinha espontaneamente.
Lóri reflete sobre o que tinha vivenciado, considera
que o Deus estava certo ao não conceder a graça frequentemente e nem por muito
tempo, pois assim, correr-se-ia o risco de não mais voltar para a experiência
comum, perdendo a possibilidade do amor e da compaixão pela humanidade (LISPECTOR, 1980, p.
149).
A vivência da graça é
também entendida por Lóri como algo que parecia redimir a condição humana,
embora ao mesmo tempo ficassem acentuados os limites desta condição. Porque
depois da graça a condição humana se revelava na sua pobreza implorante,
aprendia-se a amar mais, a esperar mais. Passava-se a ter uma espécie de
confiança no sofrimento e em seus caminhos tantas vezes intoleráveis (LISPECTOR, 1980, p.
150).
Portanto, depois do
rompimento dos limites da condição humana, o que se tem é um retorno a estes
limites, com maiores possibilidades de amor, compaixão, paciência.
A experiência da graça
é tida por ela como incomunicável, como assemelhada ao silêncio da experiência mística que acompanha toda a tradição cristã, e
provavelmente todas as tradições em que a experiência religiosa individual é
valorizada.
Se o paradoxo não pode ser penetrado pela razão, pode ainda ser apontado, ilustrado e descrito, mesmo que isso causa escândalo.
A compreensão da experiência da graça vivida pela personagem, torna-se um importante momento epifânico
no conjunto do romance: momento em que a vivência do eterno – ou daquilo que escapa
à temporalidade – invade o cotidiano de forma inequívoca.
O estado de graça vivido por Lóri, é o de uma
pessoa comum, sendo portanto, acessível a todos: Que a graça é dada por Deus,
é uma condição a que não se tem acesso por si só; que ao aceitar a graça
move-se na liberdade e o que se obtém após a graça é o mundo, mas agora um mundo amado. A idéia é que a graça, é algo acessível a
todos e se dá na vida comum. A partir do que poderia ser um fato trivial do dia a dia –
a mordida na maçã –inicia-se experiência?
Alceu Amoroso Lima responde a Clarice, em entrevista a ela concedida, a respeito desta questão: “A grandeza do homem está precisamente em ser o único animal que tem o dom de negar a Deus. E, portanto, o mérito de o reconhecer livremente”. Pela fé, ganha-se o mundo outra vez. A fé, sendo o movimento absurdo que se revela pela aceitação de um sentido que está fora do alcance humano, permite que o que está dentro dos limites humanos seja vivido de forma plena. Desta forma, mesmo colocado diante da graça, cabe ao homem um movimento dentro da liberdade para que a graça de fato se realize. Não é possível provocar o estado de graça, mas também não é possível fruí-lo sem consentir em seu movimento. Traz em seu movimento uma renúncia e um desejo – aceita-se perder o mundo ainda desejado, e ao aceitar a perda, pode-se tê-lo de volta. Porque a fé é um entregar-se à vontade de Deus, com a confiança em seu amor. Sobre isso nos fala Johannes de Silentio: “... pois o movimento da fé deve ser continuamente efetuado em virtude do absurdo, mas, por favor perceba, de modo a que não se perca o finito, mas que este seja ganho inteiro e intacto." A fé, efetua um movimento circular que retorna ao ponto de onde partiu: aceita-se perder o mundo finito, mas ao final do movimento é este mesmo mundo que é obtido de volta. O mundo obtido de volta, entretanto, é possuído de modo novo, através da instauração de uma nova relação entre o homem e o mundo, “porque aquele que possui o mundo inteiro como se não o possuísse tem o mundo todo – de outra forma é possuído pelo mundo” (KIEKEGAARD)
Alceu Amoroso Lima responde a Clarice, em entrevista a ela concedida, a respeito desta questão: “A grandeza do homem está precisamente em ser o único animal que tem o dom de negar a Deus. E, portanto, o mérito de o reconhecer livremente”. Pela fé, ganha-se o mundo outra vez. A fé, sendo o movimento absurdo que se revela pela aceitação de um sentido que está fora do alcance humano, permite que o que está dentro dos limites humanos seja vivido de forma plena. Desta forma, mesmo colocado diante da graça, cabe ao homem um movimento dentro da liberdade para que a graça de fato se realize. Não é possível provocar o estado de graça, mas também não é possível fruí-lo sem consentir em seu movimento. Traz em seu movimento uma renúncia e um desejo – aceita-se perder o mundo ainda desejado, e ao aceitar a perda, pode-se tê-lo de volta. Porque a fé é um entregar-se à vontade de Deus, com a confiança em seu amor. Sobre isso nos fala Johannes de Silentio: “... pois o movimento da fé deve ser continuamente efetuado em virtude do absurdo, mas, por favor perceba, de modo a que não se perca o finito, mas que este seja ganho inteiro e intacto." A fé, efetua um movimento circular que retorna ao ponto de onde partiu: aceita-se perder o mundo finito, mas ao final do movimento é este mesmo mundo que é obtido de volta. O mundo obtido de volta, entretanto, é possuído de modo novo, através da instauração de uma nova relação entre o homem e o mundo, “porque aquele que possui o mundo inteiro como se não o possuísse tem o mundo todo – de outra forma é possuído pelo mundo” (KIEKEGAARD)
Se a experiência de Lóri
pode ser compreendida como um transitório rompimento dos limites humanos, na
medida em que é “uma pequena abertura para o mundo que era uma espécie de
paraíso”, é um rompimento que, ao ter fim, devolve
aquele que o viveu ao mundo ordinário, porém, com mais possibilidades de amar,
esperar e ter compaixão, pois “exatamente porque depois da graça a condição
humana se revelava na sua pobreza implorante, aprendia-se a amar mais, a
esperar mais”.
É uma vivência de rompimento de limites que faz aumentar a consciência destes mesmos limites.
No relato do estado de
graça vivido por Lóri, penso que não é descabido considerar que ela esteve, ao
longo da experiência, movendo-se na fé, pois acreditou que o que vivia era a
graça e que esta era um dom do Deus. Após a experiência, estava pronta. Arriscando-se a perder o mundo, pois permanecer na graça seria perder a “linguagem
comum", que a unia à humanidade, ganhou-o. Desejando permanecer
na graça, aceitou voltar; caída então outra vez na condição humana, pôde
vivê-la de outro modo: estava renascida!
É uma vivência de rompimento de limites que faz aumentar a consciência destes mesmos limites.